Benutzer:Jcornelius/Adriana
Adriana de VecchiNasceu em Monserrate, freguesia do concelhode Viana do Castelo, em 14 de setembro de 1896,e faleceu em Lisboa, em 1995. Era filha de paiportuguês e de mãe italiana – Sebastião da Sil-va Neves e Clotilde Devecchi, respetivamente.Demonstrou desde muito cedo aptidão pela música e pelas letras, situação a que não foi alheioo ambiente familiar. Na casa de Adriana, em Via-na do Castelo, respirava-se um ambiente culturalsó notado em algumas famílias seletas da elitesocial do país na transição do século XIX parao século XX. No gineceu acolhedor, a música se-ria desde tenra idade a sua referência mental,tanto mais que em casa era uma constante atra-vés dos irmãos mais velhos, os quais eram ex-celentes pianistas, e da irmã, também mais ve-lha, uma ótima violinista. Adriana, em entrevistaao jornalPúblico, recorda essas primeiras ima-gens da infância: “A minha mãe dizia que só mefaltava ter nascido debaixo de um piano de cau-da. Havia um piano muito grande lá em casa.Brincava debaixo dele.” Em 1898, com apenasdois anos, foi para Itália, passando ali o resto dainfância e juventude, residindo na cidade de Tu-rim. Com uma personalidade comunicativapor natureza, demonstrou desde criança umatendência extraordinária para o ensino. Comose de um jogo se tratasse, transmitia facilmen-te a outras crianças tudo o que na escola apren-dia. Segundo as suas palavras, “a sua mãe di-zia, com frequência, que a sua filha já tinha nas-cido com esse imenso gosto de partilhar com osoutros tudo aquilo que sabia”. Essa vocação parao ensino levá-la-ia mais tarde, naquela cidadeitaliana, a estudar e a especializar-se em Peda-gogia dentro das doutrinas então desenvolvidaspor Maria Montessori, cuja escola influenciouvárias gerações de pedagogos, contribuindosimultaneamente de forma marcante para oavanço da Pedagogia moderna. Esse ensina-mento, adquirido por Adriana de Vecchi naquelaexperiência académica, seria decisivo para a suaformação humana e valioso para, mais tarde, emPortugal, influenciar a sua inovadora pedago-gia musical. Mesmo de forma sucinta, vale apena passar em revista o trabalho daquela pe-dagoga italiana e o contributo para as Ciênciasda Educação. Maria Montessori nasceu emRoma em agosto de 1870, sendo a primeira mu-lher que cursou Medicina e Ciências Naturaisnaquela cidade. Licenciada em Medicina, foiauxiliar na Clínica de Psiquiatria, onde desen-volveu trabalho com crianças. Lecionou An-tropologia na Universidade de Roma e Antro-pologia e Higiene no Instituto Superior doMagistério Feminino. A experiência científicalevou-a a materializar uma nova doutrina pe-dagógica para o ensino das crianças, a qual seresume em sete preceitos metodológicos: 1 – Co-nhecimento científico da criança com basenuma educação acomodada à sua capacidade;2 – Liberdade individual e respeito raciocina-do pelo ser infantil; 3 – Criação de um ambientebelo onde as crianças possam crescer e movi-mentar-se livremente; 4 – Autoeducação, aque se aplica o princípio da autoatividade; 5 –A criança deve ser um agente ativo da própriaeducação; 6 – O professor não deve apontar oerro nem emendá-lo, mas a própria criança é quehá de notá-lo e corrigi-lo; 7 – O professor nãodeve ensinar, mas apenas observar. Adriana deVecchi fez a sua formação académica em Itália,mas a paixão pela música nunca deixou de aacompanhar, dedicando-se inclusivamente aoseu ensino. Terá sido neste período que escolheuo instrumento da sua vida – o violoncelo –, cujonome, sempre que se lhe referia, pronunciavaem italiano. Nas palavras de Adriana, o vio-loncelo “tem uma sonoridade mais humana” eé o instrumento “que mais se aproxima do cor-po humano, aquele que tocamos quase como umabraço”. O período italiano terminou nos iníciosdos anos 20, quando voltou a Portugal, conhe-cendo então o futuro marido, o violoncelista eprofessor Fernando Costa. Após o regresso, de-dicou-se a diversas atividades na área das letras,publicando vários artigos em jornais e traba-lhando como colaboradora do escritor ValérioCordeiro, nomeadamente na tradução de obrasitalianas para português. Nesta fase, dedicou--se também à escrita, mais precisamente ao con-to, tendo obtido o 1.oPrémio em Jogos Florais.O Dr. João de Barros e o secretário da Academiadas Ciências, Dr. Joaquim Leitão, bem como oDr. Joaquim Manso, incentivaram-na a prosse-guir uma carreira literária. No entanto, a voca-ção para a música e para o seu ensino, já antesrevelados, foram mais fortes, dedicando-se--lhes em absoluto. Com efeito, realizou diver-sas palestras em Lisboa sobre a temática musi-cal e o seu ensino, defendendo principalmen-te o ensino musical infantil e advogando, si-multaneamente, que este tipo de ensino, nestafase de crescimento da criança, não devia ser im-posto como uma disciplina rígida, mas sim emplena liberdade de movimentos ativos peda-gogicamente bem conduzidos. O ano de 1953 re-velou-se como ano de viragem e início de umanova etapa da vida de Adriana de Vecchi, e tam-bém o ano da oportunidade para pôr em práti-ca os conhecimentos pedagógicos sobre o ensinoda música e o seu método racional amadureci-dos por anos de reflexão, corporizando-os numprojeto que, generosamente, como é apanágiodas pessoas superiormente inteligentes, punhaagora ao alcance de todas as crianças do país.O espírito sagaz, combativo e motivado nuncaa fez desistir deste objetivo que ela julgava sermerecedor da atenção da sociedade onde se en-contrava inserida, a qual, infelizmente, na-quele tempo estava pouco desperta para açõesinovadoras. A conferência “O Ensino da Músi-ca na Infância e a sua Projeção no Futuro”, pro-ferida na Casa-Museu João de Deus, em Lisboa,foi naquele ano a alavanca da já referida vira-gem. Em boa hora, entre a assistência encon-trava-se então Sofia Abecassis, conhecida me-cenas lisboeta, que, fortemente impressionadacom a amplitude e profundidade do projeto, logopôs à disposição algumas salas da sua residên-cia particular, onde começaram as primeiras au-las do que viria a ser a Fundação Musical dosAmigos das Crianças. Nesse mesmo ano, numasegunda-feira, dia 29 de junho, nos amplos sa-lões da casa da Rua Saraiva de Carvalho, n.o97,em Lisboa, morada de Sofia Abecassis, Adria-na de Vecchi inaugurava, aos 57 anos, a sua Es-cola Cultural e Infantil, numa altura da vida emque a maioria das pessoas se encontra no começoda fase descendente. O projeto, agora tornadorealidade, assumia-se como uma atividade re-gular, garantindo aulas às crianças três vezes porsemana – segundas, quartas e sextas – e con-tando com a colaboração permanente de músi-cos e professores de nomeada no círculo musicalda capital: aulas de Piano lecionadas pelo pro-fessor Abreu Mota; de Violino, pelo professorLamy Reis; de Canto Coral, pelo professor Jai-me Silva; e de Violoncelo, pela própria. Com-pareceram a estas primeiras aulas crianças deambos os sexos, o que era, no ensino da época,algo de inovador e invulgar. No desenvolvimentodo trabalho da Fundação, Adriana criou mate-rial didático para o ensino da música dirigidoaos alunos em idade pré-escolar, facilitando-lhes o conhecimento de todos os símbolosmusicais. Aprendia-se brincando com aquelaspequenas “tabuinhas” que não eram mais do queum jogo, umpuzzleatrativo, onde em cada ta-buinha retangular, da largura de dois dedos, fi-gurava desenhada uma pauta com uma só notamusical. A junção de várias peças deste jogo pe-los alunos compunha uma frase musical, pos-teriormente executada no instrumento. A brin-car aprendia-se o solfejo e, deste, os pequenos alunos passavam num ápice para a divertida prá-tica musical. Utilizando um sistema pedagógi-co inovador, o ensino da música era realizadocom um método sem rigidez e de fácil assimi-lação, deixando aos alunos plena liberdade paracriar e entusiasmando-os para seguirem em fren-te na prática musical e no contacto com o ins-trumento. No entanto, todo este trabalho pe-dagógico tinha subjacente, da parte do docen-te, uma grande disciplina e exigência no rigordos corretos preceitos musicais. Adriana diziaque “É preciso despertar na criança o sentidoda criação. E não só na música.” A paixão peloensino da música havia de se manter pelo res-to da vida e talvez tenha sido este contacto cons-tante com os mais novos o segredo da grande vi-talidade e lucidez que manteve e demonstrouaté ao final: “Gosto de ensinar. Conforme ensi-namos, a criança também nos ensina muito.O contacto alerta-nos para a vida. É bom.” Como projeto de ensino ministrado pela FundaçãoMusical dos Amigos das Crianças consolidadoe tendo agora a seu lado a colaboração e a de-dicação preciosa do marido, o professor Fer-nando Costa, Adriana de Vecchi não descura-va a divulgação da sua obra e, através dela, damúsica pelo país. Neste âmbito, a par da ativi-dade pedagógica, organizou, nas décadas de1960 e 1970, com a colaboração de FernandoCosta, várias iniciativas de divulgação musical:a convite do Círculo de Cultura Musical, váriosconcertos de violoncelo e de música de câma-ra; criou, em Lisboa, as “Tardes Culturais paraa Infância”; e apresentou, em centenas de con-certos, a Orquestra Juvenil de Instrumentos deArco da Fundação Musical dos Amigos dasCrianças. Organizou também as “Jornadas de Di-vulgação Musical”, em que aquela fundação foipioneira em Portugal, contribuindo para a des-centralização da música, realizando digres-sões por todo o país, incluindo Madeira, Aço-res e África. Desta fundação saíram muitos ar-tistas que hoje fazem carreira nas orquestras por-tuguesas, conceituados solistas, chefes de or-questra e de coros, e ainda professores do en-sino oficial e particular. Os outros alunos,aqueles que não seguiram a via profissional damúsica, tiveram a oportunidade de fazer ali asua formação, que não só lhes deu conheci-mentos musicais, como também sólidos prin-cípios cívicos, equilibrados entre a liberdade ea responsabilidade, porque a fundação assumia-se, além de escola de música, como uma esco-a de civilidade. Foi esse o triunfo do sucessodo projeto global de educação para jovens deAdriana de Vecchi. Em 1978, no âmbito das co-memorações dos 25 anos da Fundação Musicaldos Amigos das Crianças, esteve patente na Fun-dação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, uma ex-posição subordinada ao tema “Duas Vidas,Uma Obra”, sobre Adriana de Vecchi e FernandoCosta. Em 1984, foi agraciada com o Grau de Co-mendador da Ordem de Instrução Pública porSua Excelência o Presidente da República Por-tuguesa. Em 1985, viu o seu trabalho reconhe-cido ao ser atribuída à fundação, “Em reco-nhecimento pelo trabalho realizado em prol doensino da música em Portugal”, a Medalha Mú-sica – Prestígio de uma Carreira. Em 1988, foi-lhe conferida, pelo Governo de Itália, a Ordemde Cavalieri della República Italiana. “O quemais pretendo dar? O resto da minha existên-cia por aquele sonho que nasceu em menina.Oxalá nunca deixe de sonhar, e que possa sem-pre concretizar esse sonho. Ai daqueles que nãosabem conservar no seu íntimo e não possuema Fé para caminharem sempre e ir mais além...”Dirigiu com lucidez a Fundação Musical dosAmigos das Crianças até à véspera da morte. Fa-leceu em Lisboa, em 1995, com a idade de 99anos, deixando à sociedade e ao país uma obraque no presente ainda permanece, sendo diri-gida por aqueles que foram os seus mais dile-tos alunos.